Um pequeno grande filme

9/30/2011


Pequena Miss Sunshine é o que eu chamo de um pequeno grande filme. Leve, despretensioso, enganando o espectador com suas cenas engraçadas que poderiam ser usadas em qualquer filme pipoca sem dar pistas do que escondem por trás (o sequestro do corpo ou a cena final em que a família inteira dança desajeitadamente sobre o palco são bons exemplos disso). É através desse divertimento sutil que a essência do filme vai se delineando, escorrendo para o espectador de forma quase imperceptivel.

A desconstrução do american way of life é a primeira coisa que salta aos olhos. O pai, insistindo na idéia de vencedores versus perdedores (e seu completo horror diante da simples possibilidade de se tornar o que ele chama de "perdedor"), resgata o conceito da família americana ideal, digna de comercial de manteiga, sem atentar para a completa excentricidade de seus próprios parentes. Um avô viciado em cocaína, um filho que - revoltado com o mundo - faz um voto de silêncio, uma filha apaixonada por concursos de miss infantil e um tio homossexual que acaba de tentar suicídio. Ao apresentar personagens que fogem aos estereótipos de normalidade, o filme acaba por desconstruir esse conceito, dando vida a uma família que se assemelha muito a todas as famílias do mundo: confusas, complexas e inteiramente humanas. Dificuldades financeiras, carros com buzinas enguiçadas, críticas em forma de pequenas alfinetadas cotidianas e descontentamento com a comida que é servida de almoço diariamente são pequenos detalhes que garantem a veracidade dos personagens, criando uma imediata identificação por parte do espectador.

A Kombi que só pega após ser empurrada é, aliás, uma perfeita metáfora para o funcionamento da família: só anda quando todos ajudam a empurrar. A partir do esforço em conjunto, do esforço compartilhado, é que o motor passa a funcionar e o carro segue seu caminho, entre tropeços e engasgadas. O ato de empurrar a kombi simboliza também o primeiro momento de verdadeira união dos personagens - personagens que começam o filme espalhados, cada um fechado dentro de si, preocupado com os próprios problemas, e se unem por um objetivo comum (a ida de Olive ao concurso Pequena Miss Sunshine). Essa união volta a se repetir também quando todos se empenham em retirar o corpo de certo personagem do hospital e colocá-lo no carro.

O concurso, por sua vez, remete novamente ao conceito idealizado da perfeição americana. Meninas de no máximo 10 anos de idade se assemelham a miniaturas de adulto, desfilando mecanicamente em sapatos de salto alto, cabelos meticulosamente arrumados, todas com um sorriso planejado no rosto e uma postura completamente adultizada. Olive, no entanto, é o oposto disso. Gordinha, desengonçada, sem nenhuma espécie de arrumação exacerbada ou preparação prévia, ela sobe ao palco sob os olhares críticos de todos os participantes do concurso e sofre julgamentos exatamente por não pertencer ao padrão estipulado como ideal. 

Nesse ponto, vemos mais uma cena em que os personagens se unem por um bem maior (nesse caso, defender Olive). Ao subir no palco e se expor diante de uma multidão, a família protagoniza uma das cenas mais bonitas do filme. Cada um dançando à sua maneira, em seu próprio ritmo, e, ao mesmo tempo, todos dançando juntos, em uma sincronia familiar imbatível! Unidos não só pelo amor que sentem por Olive, mas pelo amor que sentem uns pelos outros - amor que, assim como a Kombi, engasga, tropeça, demora a engatar, mas nunca deixa de funcionar realmente.

Pequena Miss Sunshine é um filme simples, sem pretensões, um filme que termina sem terminar (a viagem chega ao fim, mas a família continua, entre trancos e barrancos, como qualquer outra). Brincando sempre com os conceitos de perfeição, de um ideal inatingível que só existe em comercial de manteiga e concursos de Miss, ele valoriza a idéia de uma ausência de normalidade como condição inerente ao ser humano; a excentricidade que todos carregam dentro de si e, no entanto, sufocam, em busca de uma ilusória noção de normalidade. A família retratada pelo filme pode parecer diferente à primeira vista, mas é idêntica a todas as outras famílias que vemos por aí: excêntrica, estranha, complicada e feita de gente de carne e osso.