Amour: o que fica quando o resto vai

2/03/2013


















Amour, difícil saber o que dizer. A sensação é a de ter entrado no cinema com 22 anos e ter saído com 85. Um peso, um peso terrível, peso de realidade nua, sem maquiagens, exageros ou trilhas sonoras. Delicadamente devastador: o amor enquanto salvação e condenação simultâneas. Naufrágio compartilhado, resgate mútuo (ou, ao menos, tentativa de). O que fica quando o resto vai? No fim das contas, mesmo a morte dominando cada uma das cenas, entre silêncios e diálogos, mesmo a morte ocupando a tela inteira, o verdadeiro personagem principal não é ela, é o amor, aquele que fica camuflado, subentendido, aparecendo discretamente numa brechinha qualquer bem pequena, mas que não se permite ser vencido. Ainda que o silêncio cresça, ainda que o diálogo vá, paulatinamente, se transformando em monólogo enquanto as palavras de Anne se desmontam na própria boca... Resta o cuidado mudo, o cuidado contínuo, insistente, contra todas as circunstâncias, resistindo vivo.

Se, por um lado, é visível que a doença e a morte tornam quase impossível a sobrevivência de qualquer outra coisa (como mostrado no momento em que Georges sugere à filha que falem de outro assunto, e ela - com um rosto molhado de choro e um olhar doloridíssimo - pergunta "falar de quê?", lembrando que já não existe essa possibilidade, já não existem outros assuntos possíveis), por outro lado, fica marcada a cena terrivelmente triste e bonita em que Georges estimula Anne a cantar: "sur le pont d'Avignon, on y danse, on y danse..." Dançar sobre a ponte! Mesmo no meio dessa travessia dolorosa que é a velhice, no meio dessa ponte na qual ninguém quer pisar, na qual todos tentam inutilmente recuar, mesmo nela: continuar dançando... quase sem voz, quase sem fôlego, quase sem pernas, mas continuar dançando.

O amor: esse capturar da pomba, contra a vontade, quando se sabe que já não há mais caminhos? O travesseiro tão necessário sobre o rosto já condenado pelo tempo? Ou, ao redor do cadáver se decompondo cruamente, sozinho em uma casa de passados, a delicadeza das flores coloridas? É discretamente que Haneke (sempre tão avesso às doçuras desnecessárias) deixa transparecer essa delicadeza, feito uma fresta entre os concretos da realidade. Seco, direto, sem apelos na forma de pintar a tristeza e o afeto, não permitindo que eles escorram nenhum centímetro a mais do que deveriam. Entre o vazio dos cômodos e o vazio da trilha sonora, uma tentativa de canto, uma fala engatinhada (cada vez mais impossível), uma lembrança de música que faz o presente pesar no peito como um piano calado. Em Georges, quantas histórias ainda não contadas? Quanto de si não compartilhado? Quanto de si morrendo na morte do outro?

Por fim, quando chegam os créditos, a gente fica lá parado, tentando também não morrer junto e aceitar que - como disse uma senhora do meu lado no cinema - "é a vida". Confesso até que, no que ela disse isso, algo em mim gritou, lá do fundo dos meus pequenos 22 anos: "como assim é a vida? Não pode ser a vida!"  Mas é...  Dói tanto quanto os gemidos de Anne, mas é tão bonita quanto cada foto do antigo álbum de fotografias. E a gente dança, apesar de.